No ano passado, fui testemunha de uma situação terrível. Assisti a uma grande amiga perder um animal que amava muito. Muito querido para ela, e muito querido para nós. Uma alminha fabulosa que nos encantou durante vários anos. Foi muito triste para todos. Para ela, que dia após dia ia vendo aquele grande amor desfalecer. Para o próprio ser, pois ele sabia que a despedida final se aproximava. E para nós, que assistíamos a tudo aquilo com uma impotência transcendente.
Foi uma grande lição. Mas foi uma lição diferente para cada um. É claro que posso deduzir que tipo de lição cada pessoa teve. Basta conhecer as pessoas envolvidas para compreender mais ou menos o que têm que passar nesta vida. Mas só posso deduzir, pois as lições da vida são mágicas e profundas, e nunca conhecemos ninguém suficientemente bem para saber exatamente o que precisa de aprender. E mesmo em relação a nós próprios, é sempre cedo para perceber o que cada circunstância nos traz como ensinamento. Às vezes só compreendemos completamente uma lição alguns anos depois.
Mas há uma coisa que já aprendi com esta partida tão dolorosa. E julgo que este ensinamento vai ficar em mim para sempre, pois foi tão forte a sua chegada, tão sentido o seu intuito, que considero hoje que já entrou na pele, já faz parte da minha energia. E ainda bem. Fico pensando a quantidade de outras circunstâncias que eu teria que passar nesta vida para aprender completamente o seu significado.
Tem a ver com perda.
Tem a ver com o fato de considerarmos que perdemos as coisas e as pessoas. Tem a ver com o fato de realmente, intrinsecamente, acharmos que as pessoas são mesmo nossas.
Num dos dias mais difíceis, quando a minha amiga estava mesmo percebendo que o seu amor estava indo embora – é incrível como mesmo na morte um ser nos pode ensinar, se estivermos abertos para aprender – eu tive uma visão. Vi-me, em pé, numa nuvem, olhando para o Céu. E lá em cima estava... a vida.
Não a vida madrasta, má, como algumas pessoas a veem.
Não a vida que não nos satisfaz os desejos, nada disso.
Vi a vida na sua ampla magnificência, como mestra, como professora. Vi a vida como grande orientadora das Almas que mostra tim-tim por tim-tim o que temos que fazer, e como temos que o fazer. E ela, naquele momento, pedia que eu entregasse aquela Alma. Que não a segurasse. Que não tivesse a postura de “Não vá embora, por favor, fique!! É minha!”
A vida ensinava que a melhor forma de viver, sem ficar amargurada, sem ficar desencantada, era a de lhe devolver, de livre e espontânea vontade, na hora exata que ela pedisse, o que ela tão generosamente emprestou.
Pessoas, coisas, amores, e inclusivamente desamores. E ao devolver, conseguir desvincular. E ao desvincular, soltar a energia, tornar-me vazia dos outros, ficar só com a minha energia. E aí sim, preparar-me para novas experiências.
As perdas não existem. Nada é nosso. Apenas terminou o período do empréstimo. E em vez de olhar a vida como uma grande malvada que nos retira o que gostamos, podemos passar a olhar para ela como a grande curadora de Almas, que nos empresta o que precisamos – não necessariamente o que queremos – e nos retira o que deixou de ter função. Para que esvazie a energia. Para caberem outras coisas novas.
Entendi, e entreguei. Claro que chorei, claro que me entristeci, e ainda hoje choro quando me lembro dela. Mas compreendi, e entreguei. Não deixei de amar, não deixei de honrar o amor, mas desvinculei.
– Vá, minha linda Alma, vá em paz Ika. Obrigada por tudo o que me ensinou. Vá. E tenho a certeza de que para onde for, vai encantar todos, como sempre fez por aqui. Te amo para sempre.